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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"Amanhã não existe"

 aceitar com altivez o destino  imposto

Não consentem os deuses mais que a vida.
Tudo pois refusemos, que nos alce
A irrespiráveis píncaros,
Perenes sem ter flores.
Só de aceitar tenhamos a ciência,
E, enquanto bate o sangue em nossas fontes,
Nem se engelha connosco
O mesmo amor, duremos,
Como vidros, às luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste,
Só mornos ao sol quente,
E reflectindo um pouco.
R.Reis. In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, 2000


Segundo o preceito clássico, os poemas não devem apenas ser belos, mas agradáveis, suaves, tranquilos, despertando sentimentos brandos.
Assim, a poesia de Ricardo Reis apresenta uma grande perfeição formal, equilíbrio  e musicalidade. Embora - como na poesia clássica - não exista rima, sendo o verso branco, é dada muita importância ao ritmo e há recurso frequente à rima interior, à assonância* e, sobretudo, à aliteração - "cada lago a lua toda/Brilha, porque alta vive"; "Que alisa e agudece/Os dardos do sol alto", “Solenes na alegria levemente”.

*assonância Repetição dos mesmos sons vocálicos, em situação de sílaba tónica - "(...)mornos ao sol"

A linguagem, por vezes com recurso a alguns latinismos, é erudita: referência à mitologia - Olimpo, Apolo, Fado, nomes – Neera, Flaco ou vocabulário mais incomum - volucres, ínfero, insciente, infausta; também se destaca pela construção frásica própria da língua latina, dando origem à alteração da ordem comum das palavras no Português (hipérbato). 

Como as suas odes  (com origem na Grécia - Poemas líricos, de estrofes simétricas, destinados ao canto e entoados entre os antigos gregos) são essencialmente um convite a uma disciplina de vida, uma sugestão de aceitação dos princípios morais e estéticos, é frequente o uso do imperativo, do conjuntivo com valor de imperativo.
 
Lembra-se, sobre o IMPERATIVO: a Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003), de Mira Mateus et al., (...) «este modo [imperativo] só apresenta formas para as segundas pessoas do singular e do plural, sendo substituído nos outros casos por formas do conjuntivo, nomeadamente a primeira pessoa do plural e a terceira pessoa do singular e do plural, como, por exemplo, em dance/dancemos/dancem. Quando se trata de formas negativas, o modo imperativo é também realizado em todas as pessoas pelo conjuntivo» (p. 256).
 

A lição da Natureza em Ricardo Reis

Ricardo Reis propõe-nos que encontremos a felicidade, vivendo em conformidade com as leis do destino que regem o mundo: tomando por mestra a Natureza e respeitando aquilo que o Destino e os deuses criaram para nós - "Cumpramos o que somos./Nada mais nos é dado".
Afinal, as árvores são anteriores a nós, e o vento também; e não desejam ser mais do que árvores e vento: "Tentemos pois com abandono assíduo/Entregar nosso esforço à Natureza/E não querer mais vida/Que a das árvores verdes.


Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
      E as folhas não falavam
      De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
      Do que as folhas das árvores
      Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
      E não querer mais vida
      Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
      Nos saúda a grandeza
      Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
      Que fará na alta praia
      Em que o mar é o Tempo?

8 - 10 - 1914

In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, 2000
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.
29 - 7 - 1923

In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, 2000
Créditos de imagens: https://www.google.pt/

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

As odes de Ricardo Reis

  As odes de Ricardo Reis recorrem quase sempre aos deuses da mitologia grega. Este paganismo, de caráter erudito, afasta-se da convicção de Alberto Caeiro de que não se deve pensar em Deus. Para Ricardo Reis, os deuses estão acima de tudo e controlam o destino dos homens: Acima da verdade estão os deuses./Nossa ciência é uma falhada cópia /Da certeza com que eles /Sabem que há o Universo. 


Afinal, Ricardo Reis diz-nos que é importante:

- Aceitar a relatividade e a efemeridade da vida que foge, a fugacidade de todas as coisas
- Procurar uma sabedoria assente numa vida sem arrebatamentos, na elevação, na procura de perfeição, na satisfação baseada nos prazeres muito simples (o que requer uma longa aprendizagem)
- Sublimar a angústia e a tristeza da condição trágica do homem, da sua mortalidade, da efemeridade da vida, do peso do tempo
 
- Encarar pacificamente - com elegância, elevação e ilusória liberdade - o Destino/a vontade dos deuses, aquilo que é inevitável*

As PARCAS (conduzem o destino)
Cloto (na mitologia romana=Nona) - fia o destino dos homens
Láquesis (equivalente à romana Décima): dirige o curso da vida.
Átropos (equivalente à romana Morta): corta o fio da vida
 

Créditos:
Blogue Fernando Pessoa
Casa Fernando Pessoa





Ricardo Reis

«Deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero»
(Páginas Íntimas e Auto Interpretação, p.393)




Fernando Pessoa estabelece datas distintas para o "nascimento" de Ricardo Reis. Primeiro afirma, de acordo com o texto de Páginas Íntimas e de Auto- Interpretação (p.385) que este nascera no seu espírito no dia 29 de Janeiro de 1914:

«O Dr. Ricardo Reis nasceu dentro da minha alma no dia 29 de Janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite. Eu estivera ouvindo no dia anterior uma discussão extensa sobre os excessos, especialmente de realização, da arte moderna. Segundo o meu processo de sentir as cousas sem as sentir, fui-me deixando ir na onda dessa reação momentânea. Quando reparei em que estava pensando, vi que tinha erguido uma teoria neoclássica, que se ia desenvolvendo.».

Mais tarde, na carta a Adolfo Casais Monteiro (ver Manual) datada de 13 de janeiro de 1935, altera a data deste nascimento afirmando que Ricardo Reis nascera no seu espírito em 1912.


Biografia de Ricardo Reis

No horóscopo que Fernando Pessoa dele fez, nasceu em 19 de Setembro de 1887, em Lisboa, às 4.05 da tarde. Na carta a Adolfo Casais Monteiro (reproduzida no Manual) altera a cidade natal de Ricardo Reis de Lisboa para o Porto.
Médico de profissão, monárquico, facto que o levou a viver emigrado alguns anos no Brasil, fora educado num colégio de jesuítas, logo, numa formação clássica, latinista e de princípios conservadores, elementos que são transportados para a sua conceção poética. Domina a forma dos poetas latinos e proclama a disciplina na construção poética.


Ricardo Reis é o heterónimo mais parecido fisicamente com o seu criador - é moreno, de estatura média, anda meio curvado, é magro e tem aparência de judeu português.

É adepto do sensacionismo, como o mestre das sensações - Alberto Caeiro, mas ao retomar as formas e ideias clássicas (neoclássicas), manifesta esse sensacionismo de modo distinto; Fernando Pessoa refere em Páginas Íntimas e Auto Interpretação(p.350):
«Caeiro tem uma disciplina: as coisas devem ser sentidas tais como são. Ricardo Reis tem outra disciplina diferente: as coisas devem ser sentidas, não só como são, mas também de modo a integrarem-se num certo ideal de medida e regras clássicas.»


Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece

Ricardo Reis


Nos seus poemas há uma valorização da matéria, do corpo, da natureza, da realidade exterior, como na lição de Alberto Caeiro, o mestre de Fernando Pessoa e de todos os heterónimos e, antes dele, de Cesário Verde.

Enquanto poeta de educação clássica, Ricardo Reis faz muitas referências aos deuses da Antiguidade greco-latina, e privilegia as formas poéticas da antiguidade: a ode, o epigrama e a elegia.

Segue a lição poética de Horácio, o grande poeta latino da época do imperador Otávio Augusto, no auge do Império Romano, mas também tem afinidades com os gregos; segundo FP, é :“um latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria”.
Segundo o preceito clássico, os poemas não devem apenas ser belos, mas agradáveis, suaves, tranquilos, despertando sentimentos brandos (e não emoções e paixões), o que RR procura seguir: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira rio./ Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos/ Que a vida passa"

Para Horácio a morte é a grande mestra da vida, sendo ela certa, importa é aproveitar o dia, colher o dia que passa, carpe diem, como se fosse o último:

Não procures, Leucónoe, - ímpio será sabê-lo -
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
Melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp'rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.

Horácio

Tradução de David Mourão-Ferreira in
Vozes da Poesia Europeia – I, Colóquio Letras n.º 163,
Janeiro - Abril 2003



terça-feira, 12 de novembro de 2013

Para ser grande...

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive




Façam deste o vosso espaço para a interpretação e discussão dos poemas de Ricardo Reis. Sejam atentos e relacionem o que leram para apoio e os próprios poemas. As palavras do poeta são o mais importante!

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Tautologias...


A profª Rita mandou-me este material que agora partilho convosco, pelo interesse que tem para a vossa escrita.

Sabes o que é tautologia?

É o termo usado para definir um dos erros, mais comuns de linguagem. Consiste na repetição de uma ideia, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido.
O exemplo clássico é o famoso ' subir para cima ' ou o ' descer para baixo ' . Mas há outros, como pode ver na lista a seguir:

-
elo de ligação
- acabamento final
- certeza absoluta
- quantia exacta
- nos dias 8, 9 e 10, inclusive
- juntamente
com
- expressamente proibido
- em duas metades
iguais
- sintomas indicativos
- há anos atrás
- vereador da cidade
-
outra alternativa
- detalhes
minuciosos
- a razão é porque
- anexo
junto à carta
- de sua
livre escolha
- superavit
positivo
- todos foram unânimes
- conviver
junto
- facto real
- encarar
de frente
- multidão de pessoas
- amanhecer
o dia
- criação nova
- retornar de novo
- empréstimo temporário
- surpresa inesperada
- escolha
opcional
- planear antecipadamente
- abertura inaugural
- continua a permanecer
- a
última versão definitiva
-
possivelmente poderá ocorrer
- comparecer
em pessoa
- gritar bem alto
- propriedade característica
- demasiadamente excessivo
- a seu critério
pessoal
- exceder em muito .

Note que todas essas repetições são dispensáveis.
Por exemplo, ' surpresa inesperada '. Existe alguma surpresa esperada? É óbvio que não.
Devemos evitar o uso das repetições desnecessárias. Fiquem atentos às expressões que utilizam no vosso dia-a-dia.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Aniversário

Enquanto aguardo os vossos textos criativos sobre o motivo «No dia em que festejavam o dia dos meus anos», fica o poema. Não deixem de enviar o que fizeram. 


 
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa