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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Ricardo Reis

«Deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero»
(Páginas Íntimas e Auto Interpretação, p.393)




Fernando Pessoa estabelece datas distintas para o "nascimento" de Ricardo Reis. Primeiro afirma, de acordo com o texto de Páginas Íntimas e de Auto- Interpretação (p.385) que este nascera no seu espírito no dia 29 de Janeiro de 1914:

«O Dr. Ricardo Reis nasceu dentro da minha alma no dia 29 de Janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite. Eu estivera ouvindo no dia anterior uma discussão extensa sobre os excessos, especialmente de realização, da arte moderna. Segundo o meu processo de sentir as cousas sem as sentir, fui-me deixando ir na onda dessa reação momentânea. Quando reparei em que estava pensando, vi que tinha erguido uma teoria neoclássica, que se ia desenvolvendo.».

Mais tarde, na carta a Adolfo Casais Monteiro (ver Manual) datada de 13 de janeiro de 1935, altera a data deste nascimento afirmando que Ricardo Reis nascera no seu espírito em 1912.


Biografia de Ricardo Reis

No horóscopo que Fernando Pessoa dele fez, nasceu em 19 de Setembro de 1887, em Lisboa, às 4.05 da tarde. Na carta a Adolfo Casais Monteiro (reproduzida no Manual) altera a cidade natal de Ricardo Reis de Lisboa para o Porto.
Médico de profissão, monárquico, facto que o levou a viver emigrado alguns anos no Brasil, fora educado num colégio de jesuítas, logo, numa formação clássica, latinista e de princípios conservadores, elementos que são transportados para a sua conceção poética. Domina a forma dos poetas latinos e proclama a disciplina na construção poética.


Ricardo Reis é o heterónimo mais parecido fisicamente com o seu criador - é moreno, de estatura média, anda meio curvado, é magro e tem aparência de judeu português.

É adepto do sensacionismo, como o mestre das sensações - Alberto Caeiro, mas ao retomar as formas e ideias clássicas (neoclássicas), manifesta esse sensacionismo de modo distinto; Fernando Pessoa refere em Páginas Íntimas e Auto Interpretação(p.350):
«Caeiro tem uma disciplina: as coisas devem ser sentidas tais como são. Ricardo Reis tem outra disciplina diferente: as coisas devem ser sentidas, não só como são, mas também de modo a integrarem-se num certo ideal de medida e regras clássicas.»


Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece

Ricardo Reis


Nos seus poemas há uma valorização da matéria, do corpo, da natureza, da realidade exterior, como na lição de Alberto Caeiro, o mestre de Fernando Pessoa e de todos os heterónimos e, antes dele, de Cesário Verde.

Enquanto poeta de educação clássica, Ricardo Reis faz muitas referências aos deuses da Antiguidade greco-latina, e privilegia as formas poéticas da antiguidade: a ode, o epigrama e a elegia.

Segue a lição poética de Horácio, o grande poeta latino da época do imperador Otávio Augusto, no auge do Império Romano, mas também tem afinidades com os gregos; segundo FP, é :“um latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria”.
Segundo o preceito clássico, os poemas não devem apenas ser belos, mas agradáveis, suaves, tranquilos, despertando sentimentos brandos (e não emoções e paixões), o que RR procura seguir: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira rio./ Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos/ Que a vida passa"

Para Horácio a morte é a grande mestra da vida, sendo ela certa, importa é aproveitar o dia, colher o dia que passa, carpe diem, como se fosse o último:

Não procures, Leucónoe, - ímpio será sabê-lo -
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
Melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp'rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança.

Horácio

Tradução de David Mourão-Ferreira in
Vozes da Poesia Europeia – I, Colóquio Letras n.º 163,
Janeiro - Abril 2003



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